domingo, 10 de abril de 2011

O risco do viver

Sexta feira, como de costume, o desejo é de correr para casa, tomar um bom banho e relaxar. Para intensificar tais desejos: chovia em Porto Alegre. Estava aguardando ansiosamente o ônibus numa parada da Padre Cacique, nas proximidades do Estádio do Internacional quando eu, e, mais duas pessoas, contemplamos uma cena que tão cedo não sairia de minha mente.
Indignada com a demora do transporte percebi que o trânsito começou a andar vagarosamente, a chuva talvez, pensei, nada disso. Vi uma silhueta dançando em frente os carros com os braços balançando, parecia com aqueles bonecos de posto de gasolina que dançam conforme o vento. Não acreditei, era um idoso, de chambre verde, parando os carros e interagindo com os motoristas atônitos. Um frio percorreu minhas costas, ele vai morrer, os carros vão passar por cima e eu vou ver tudo isso... olhei para os que também assistiam em um silêncio angustiante. Alguém ligue 190! Não vai adiantar, eles não virão. E o velhinho, era um idoso, dançava, estendia as mãos e enfrentava os carros, motos, ônibus e até um enorme caminhão. Ele fazia zigue zague no asfalto molhado e, resmungava parecendo frustado quando os carros paravam e desviavam de seu corpo cambaleante. Eu, covardemente, rezava para o ônibus chegar e não ver mais aquilo, assistir um suicídio de camarote. A fúria dos motoristas começava a aflorar, um deles, desceu do carro, correndo risco de vida também, e, jogou o velhinho no acostamento. Suspiramos aliviados na parada. O carro arrancou, palmas. Segundos depois, lá vinha o vovô, ahhhh. Uma pessoa chamou 190 e os caras do outro lado da linha perguntaram o que era um chambre, tststs. A cena mais surreal foi quando o velhinho caminhando entre os carros chegou em frente a parada, eu furiosa acenava e gritava: o senhor está maluco! Vem pra cá! Sai daí!... Ele veio, os olhos em lágrimas, lágrimas e chuva, o cheiro do álcool  me forçou virar o rosto e, apenas ouvir o murmúrio de uma vida, massacrada pelo tempo, pela vida em si, quero morrer, eu não presto, não posso comprar leite pros meus filhos, deixa passar por cima (riso nervoso e dança). Não pude ouvir mais a história dele, um, entre tantos seres humanos que estão à margem da vida, correndo riscos diários e enfrentando a morte na ciranda dos que não possuem alternativa alguma. Entrei no ônibus, ele me seguia com o olhar, talvez, tenha voltado aos carros, ou, tenha sido ajudado pelos demais na parada. Cheguei em casa, chorei enquanto tomava meu banho quente e ouvia vozes amigas gritando: Elis vem ligeiro, temos uma sopa quentinha esperando...
Muita Paz meu velho, muita paz.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Corporificando a palavra

Encontro com educadores de Tapes, a reflexão do dia: o desafio ético no cotidiano de nossa humana docência.
Em síntese: o desafio de educar enquanto exercício de corporificar a palavra através do exemplo - tarefa nada simples numa sociedade de reality shows, bem distantes da emergente necessidade de uma práxis da eticidade.
"you are what you do, not what do you say" apelo deixado pela menina na ECO 92. Discurso que pulsa ainda em nossos corações, quando, reunidos refletimos acerca deste tema tão antigo e atual que é a ética.
Uma manhã de partilha e da certeza de que ainda há homens e mulheres apaixonados pela tarefa profissional de educar.


quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Solidão acompanhada


A maioria dos filósofos tinham demasiado apreço pela solidão. Penso que a solidão era melhor companhia, quando, refletindo sobre o existir não encontramos com quem partilhar reflexões, sejam elas imanentes ou transcendentes...Filósofo, poeta, pintor, todos, amantes dela: fiel companheira, parceira ideal nas discussões do existir, do sentir, do compreender, do ser.
Clarice a amou e desejou, não posso discordar:

Quero solidão...
Por mim, e por vós, e por mais aquilo que está onde as outras coisas nunca estão deixo o mar bravo e o céu tranqüilo:  quero solidão.
Meu caminho é sem marcos nem paisagens.
E como o conheces ? - me perguntarão. - Por não ter palavras, por não ter imagem.
Nenhum inimigo e nenhum irmão.
Que procuras ?
Tudo.
Que desejas ?
Nada.
Viajo sozinha com o meu coração.
Não ando perdida, mas desencontrada.
Levo o meu rumo na minha mão.
A memória voou da minha fronte.
Voou meu amor, minha imaginação ...
Talvez eu morra antes do horizonte.
Memória, amor e o resto onde estarão?
Deixo aqui meu corpo, entre o sol e a terra.
(Beijo-te, corpo meu, todo desilusão !
Estandarte triste de uma estranha guerra ... )
Quero solidão.

Modigliani: paixões, cores e uma breve vida


Ao lado da obra de Modigliani, exposta no Museu da Filadélfia, ninguém pode imaginar o coração aos pulos que trazia em meu peito, depois da gafe de tentar tocar a obra e ser repreendida pelo guarda do andar.
Quem já não passou por uma destas? Diante da beleza da criatividade humana, da inspiração do amor, das cores da existência finita de todos nós, ficar encantado, hipnotizado, sensibilizado de tal forma que tudo ao redor parece desaparecer... Eu fiquei assim, ao bater os olhos no quadro, logo pude imaginar o belíssimo boêmio Modigliani dançando com uma taa de vinho entre os dedos, olhos fixos em sua amada e a tela entre ambos. A pintura não é bela esteticamente para alguns, mas, aos que conhecem a história, ahhh.
Quem me dera pintar algo significativo na tela da vida, educar com as cores da paixão e dançar com o tempo que me resta, uma canção que combine com o sabor do vinho.









segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Domingos



Houve um tempo em minha vida em que todo dia era Domingos, hoje, o nome do dia da semana não importa mais... Beijo e abraço cada um deles com a sensibilidade de quem espera com uma doçura louca, santa e lúcida o último. Contemplo os dias como indígenas em oração diante dos mistérios de uma Natureza continuidade do ser.

domingo, 30 de janeiro de 2011

O mistério de nossa finitude

Éramos três irmãs em minha família: Rosângela, Roselaine e eu. Irmãs sempre distantes, com escolhas, opções tão diferentes, mas, jamais desunidas.
Em dezembro de 2010, minha irmã mais velha, Rosângela, faleceu.
Dezembro, tempo tão significativo, tempo de arrumar a casa com enfeites natalinos, presentes, luzes, cores, acender velas, preparar a ceia e acompanhar o Advento (tempo de espera do Novo). Mas, ao contrário de acolhermos o Menino Jesus ou o Papai Noel, como quando éramos crianças, na porta de nossa casa, a morte se vez visitante inesperada.
Foi minha irmã que me inspirou a escrever este texto sobre o mistério de nossa finitude. Somos finitos, palha, cisco existencial na poeira de dias que construimos e, ilusóriamente acreditamos dar sentido. Somos tolos que se apegam a mesquinharia das circunstâncias, desejos, mágoas, afetos desordenados... Somos humanos e insistimos em esquecer esta realidade.
Jamais esquecerei o riso de quem debocha da vida e das lutas do cotidiano que ela sempre trazia consigo, da irrelevância diante das preocupações e da cumplicidade com seus vícios. Em uma de minhas idas e vindas ao hospital comecei a "arrumar" o quarto em que ela estava, administrando a dor com minhas neuras pessoais, e ela me estendeu a mão, quase num fio de voz me provocando disse: "Deixa de ser neurótica, senta aqui, fica do meu lado, vamos fumar um cigarrinho?!"
Eu não parei e, ainda repreendi a idéia do fumar, palmas para minha douta ignorância.
É preciso administrar com lucidez a finitude dos dias, serenidade e paixão de mãos dadas devem acolher nossos passos na imanência de nosso viver. O tempo é agora, o amanhã jamais será eterno. Quando minha irmã fechou os olhos, ela abriu minha mente e coração para o resto de meus dias. Saudades e gratidão até, quem sabe, o reencontro.