Sexta feira, como de costume, o desejo é de correr para casa, tomar um bom banho e relaxar. Para intensificar tais desejos: chovia em Porto Alegre. Estava aguardando ansiosamente o ônibus numa parada da Padre Cacique, nas proximidades do Estádio do Internacional quando eu, e, mais duas pessoas, contemplamos uma cena que tão cedo não sairia de minha mente.
Indignada com a demora do transporte percebi que o trânsito começou a andar vagarosamente, a chuva talvez, pensei, nada disso. Vi uma silhueta dançando em frente os carros com os braços balançando, parecia com aqueles bonecos de posto de gasolina que dançam conforme o vento. Não acreditei, era um idoso, de chambre verde, parando os carros e interagindo com os motoristas atônitos. Um frio percorreu minhas costas, ele vai morrer, os carros vão passar por cima e eu vou ver tudo isso... olhei para os que também assistiam em um silêncio angustiante. Alguém ligue 190! Não vai adiantar, eles não virão. E o velhinho, era um idoso, dançava, estendia as mãos e enfrentava os carros, motos, ônibus e até um enorme caminhão. Ele fazia zigue zague no asfalto molhado e, resmungava parecendo frustado quando os carros paravam e desviavam de seu corpo cambaleante. Eu, covardemente, rezava para o ônibus chegar e não ver mais aquilo, assistir um suicídio de camarote. A fúria dos motoristas começava a aflorar, um deles, desceu do carro, correndo risco de vida também, e, jogou o velhinho no acostamento. Suspiramos aliviados na parada. O carro arrancou, palmas. Segundos depois, lá vinha o vovô, ahhhh. Uma pessoa chamou 190 e os caras do outro lado da linha perguntaram o que era um chambre, tststs. A cena mais surreal foi quando o velhinho caminhando entre os carros chegou em frente a parada, eu furiosa acenava e gritava: o senhor está maluco! Vem pra cá! Sai daí!... Ele veio, os olhos em lágrimas, lágrimas e chuva, o cheiro do álcool me forçou virar o rosto e, apenas ouvir o murmúrio de uma vida, massacrada pelo tempo, pela vida em si, quero morrer, eu não presto, não posso comprar leite pros meus filhos, deixa passar por cima (riso nervoso e dança). Não pude ouvir mais a história dele, um, entre tantos seres humanos que estão à margem da vida, correndo riscos diários e enfrentando a morte na ciranda dos que não possuem alternativa alguma. Entrei no ônibus, ele me seguia com o olhar, talvez, tenha voltado aos carros, ou, tenha sido ajudado pelos demais na parada. Cheguei em casa, chorei enquanto tomava meu banho quente e ouvia vozes amigas gritando: Elis vem ligeiro, temos uma sopa quentinha esperando...
Muita Paz meu velho, muita paz.